Neste artigo, apresento o conceito de “indistraível”, de Nir Eyal, enquanto um compromisso pessoal para mudar as crenças limitantes que nos trazem distração e procrastinação. Esses hábitos nos atrapalham a conseguir resultados na vida pessoal e profissional bem como são fontes de estresse. Nesse sentido, veremos os desafios para estar com atenção plena ao momento (mindfulness) e como Platão já havia se preocupado com a distração. Também veremos que o poder para estar indistraível é o de mantermos uma relação honesta e verdadeira com nós mesmos. Por fim, apresento os quatro passos para estar “indistraível”.
O termo “indistraível”, do inglês indistractable, foi cunhado pelo americano-israelita Nir Eyal, investidor, palestrante e ex-professor da Faculdade de Pós-graduação em Administração na Stanford University. Ele explica o termo no seu mais recente livro homônimo, Indistractable: how to control your attention and choose your life, publicado no Brasil em 2020.
O melhor modo de entendermos o conceito por trás do termo “indistraível” é praticá-lo. Portanto, comecemos agora mesmo. Peço que pegue o seu celular e desligue-o imediatamente (a não ser que esteja lendo este artigo nele, e não em um desktop). Se for o caso, faça o mesmo com a TV, o tablet ou o laptop com streaming da Netflix, Amazon Prime, Disney+, não importa o que seja, desligue-os, por favor.
Muito bem. Percebam, não tenho nada contra a tecnologia digital. Pelo contrário, uso-a para trabalho e lazer, certamente. Entretanto, o ponto que quero marcar sobre o foco “indistraível” é o seguinte: ele exige o compromisso pessoal para mudar crenças limitantes ou paradigmas que fomentam hábitos que nos tiram do curso (ou da tração) daquilo que é importante para nós.
No caso, assumo, portanto, que a distração e a procrastinação são hábitos que te trazem problemas na obtenção de resultados. Além do mais, assumo que eles são uma fonte de estresse para você. Sim? Por isso pedi para desligar o celular e ler este artigo de modo indistraível. Em outras palavras, é preciso engajar-se aqui, e não apenas “passar o olho” por estas linhas, como um curioso superficial (dabbler), um diletante.
Autoavaliação do nível de “indistraibilidade”
Seguindo uma das últimas palestras de Nir Eyal, concedida para Vishen Lackiani da MindValley, antes de vermos alguns elementos do foco indistraível, vamos fazer um exercício. Esse exercício consiste em uma autoavaliação para termos uma noção do nosso nível de “indistraibilidade”.
Os desafios de estar com a atenção plena
Bom, agora que adquirimos uma noção atualizada do nosso nível de distração, vejamos um relato de Nir Eyal, narrando uma experiência com sua filha na hora de fazer a tarefa escolar.
Nir conta que estava fazendo a tarefa com a filha pequena e surgiu a seguinte pergunta, na apostila escolar: “Se você pudesse escolher, qual superpoder gostaria de ter?”. Para quem tem filhos ou contato direto com crianças, sabe que essa pergunta da apostila escolar é muito comum nos papos com eles. Acontece que, segundo Nir, no momento que sua filha começou a lhe falar a resposta, ele não sabe explicar, mas começou a checar email e fofocas nas redes sociais no seu celular.
Ele se deu conta do que havia feito apenas após o ocorrido, quando desconectou sua atenção do celular e notou que a sua filha já não estava mais na sala. Chocado com o seu próprio hábito, posteriormente, comentou com um amigo, que também tem uma filha da mesma idade. Seu amigo lhe disse que passou pela mesma experiência de fazer a tarefa e lidar com a pergunta acima mencionada. Porém, ele escutou a resposta da filha, que lhe marcou profundamente. A filha respondeu que queria ter o poder de “escutar os animais”. Ao ser indagada pelo pai para explicar sua resposta, ela justificou assim: “Daí, quando você e a mamãe estiverem olhando para o celular, eu tenho com quem conversar”.
Pense sobre isso. Se essa procrastinação acontece com a gente, em relação aos nossos filhos, ela acontece também em relação ao trabalho, aos amigos, aos nossos pais, à esposa, ao marido, enfim, é um hábito formado? Pense melhor. Essa procrastinação acontece para com nós mesmos, em relação à nossa saúde, ao nosso corpo, ao cuidado das nossas emoções, à leitura de um livro, enfim, ao nosso desenvolvimento pessoal e profissional?
Provavelmente, a resposta é sim. O que explica esse comportamento? Nir constatou que sabemos o que é importante para o nosso bem estar social: dar atenção às pessoas do nosso círculo pessoal e profissional. Também sabemos que é importante cuidar da nossa alimentação, do nosso corpo, do nosso espírito, da nossa carreira etc. O ponto aqui é o seguinte: o problema não está na falta de informação sobre o que é melhor para a gente. O problema está em tirar nossas distrações e procrastinações do caminho, para que possamos estar com a atenção plena em acordo com a melhor versão de nós mesmos.
Por isso que ele considera que a distração é o “grande mal do século XXI”. Atenção: isso não significa que a distração é um problema novo, causado pelas novas tecnologias digitais. Pelo contrário, trata-se de um problema do ser humano já identificado por Platão, na Grécia antiga, cerca de 2.7 mil anos atrás. O que é diferente, no século XXI, é que as nossas tecnologias são muito mais persuasivas e pervasivas, em comparação com a época de Platão.
Platão e a Akrasia
Platão tratou do mal da distração referindo-se ao termo grego antigo, akrasia. Isto é, akrasia significa a fraqueza da alma para fazer aquilo que o indivíduo julga ser o melhor para ele. Portanto, se a persuasão e a pervasividade das novas tecnologias digitais fazem da distração o “grande mal do século XXI”, por um lado, por outro, as tecnologias serão cada vez mais capazes de produzir abundância no mundo, inclusive e especialmente de informação.
Vejam essa informação, da tradicional agência espanhola EFE, de junho de 2019: há mais pessoas morrendo no mundo devido a complicações de saúde por conta da obesidade e diabetes do que de fome. Ambos os problemas são graves, porém, o ponto é que estamos morrendo devido a capacidade de produzir alimentos em abundância. Apesar da também abundante quantidade de informação a respeito da necessidade de equilibrar nossa alimentação diante da produção industrializada de alimentos, os números de morte por obesidade são dramáticos.
Para o nosso ponto, as tecnologias serão cada vez mais capazes de nos distrair daquilo que julgamos ser o melhor para nós mesmos. Isso vai dos refrigerantes Big Gulp e as propagandas de remédios farmacêuticos às notícias da TV, fofocas nas redes sociais e os shows no streaming. (Escrevi sobre a estrutura das tecnologias digitais e o poder dos algoritmos em nos distrair em um artigo no Linkedin). Isso significa que o que está ao nosso alcance é justamente lidar com a nossa akrasia, diante de um mundo cada vez mais dominado por tecnologias digitais cada vez mais persuasivas e pervasivas.
Qual é o seu poder? Estar indistraível
Voltamos a narrativa de Nir sobre quando estava fazendo a tarefa com a filha pequena e surgiu a seguinte pergunta na apostila escolar: “Se você pudesse escolher, qual superpoder gostaria de ter?”
Para ele, após a experiência com a filha, a resposta à pergunta acima foi: estar indistraível. Ele confessa que, ao cunhar o termo “indistraível”, buscou um nome que ressoasse como um superpoder: Indistractable! Entretanto, diferente de um super poder como os do Super-homem (Superman) ou do Homem Aranha (Spiderman), o poder que podemos desenvolver de maneira realística é o de estar com a atenção plena, do mindfulness.
Com efeito, estar indistraível não implica que nunca nos distraímos. Implica que paramos de mentir para nós mesmos acerca das nossas distrações e procrastinações. Em outras palavras, o poder de estar indistraível é o de mantermos uma relação honesta e verdadeira com nós mesmos. Assim, uma pessoa indistraível está sempre se conscientizando dos motivos que a levou a distração e a procrastinação. Ao invés de culpar os fatores externos ou se autopunir, ela toma uma atitude a respeito disso.
Isso pode começar se fazendo a seguinte pergunta: “O que eu vou fazer hoje para evitar essa distração amanhã?” Levando essa atitude, estamos tomando uma decisão virtuosa de conscientização. Isso é diferente de uma decisão viciosa, tomada com base em nossos hábitos atuais que, por sua vez, são pautados nas crenças limitantes ou paradigmas no subconsciente. Nir, inclusive, cita o autor brasileiro, Paulo Coelho, para enfatizar essa diferença entre uma decisão virtuosa, com base na conscientização, e uma decisão viciosa, com base no subconsciente.
Quando você repete um erro, já não é mais um erro; virou uma decisão.
A pessoa “distraível” continua a repetir seus erros, pois os seus próprios hábitos paradigmáticos levam a melhor sobre ela. Agora, seja absolutamente honesto com você mesmo e responda o seguinte: caso você desenvolvesse o poder de ser indistraível, em que você colocaria o seu foco, a sua atenção plena? O que você faria com esse poder? Para alguns, pode ser uma mudança no relacionamento familiar ou amoroso. Para outros, pode ser alcançar uma grande meta, como abrir o seu próprio negócio. Pode ainda ser aumentar a sua capacidade de realizar as suas tarefas, com calma e qualidade.
Modelo do foco indistraível: tração
Com isso em mente, vejamos como podemos desenvolver o poder de ser indistraível.
O oposto da distração não é necessariamente foco ou atenção plena. Essas são modos como usamos a energia da atenção. No caso, o oposto da distração é tração. E, para ambos os termos, o raiz da palavra é ação, isto é, atitude decidida internamente. Em outras palavras, qualquer ação pode ser uma tr-ação ou uma distr-ação. O que as diferencia é que a tração são ações que nos colocam na direção daquilo que realmente queremos, aquilo que julgamos ser o melhor para nós. Enquanto distração são ações que nos afastam daquilo que realmente queremos, daquilo que julgamos ser o melhor para nós (akrasia).
Um dos hábitos mais perigosos de distração são provocados pelos gatilhos internos, quando invertemos o valor daquilo que é importante ser realizado, e requer trabalho árduo, demorado, por aquilo que é desimportante e fácil. Por exemplo, isso ocorre quando temos que encarar uma tarefa desafiadora no trabalho ou estudar para a nossa formação básica ou profissional e… Ao sentarmos na cadeira para fazer tais coisas, vem o medo ou a fatiga para encarar a tarefa. Então, para fugir desses sentimentos desconfortáveis, decidimos que checar o email ou responder ao comentário no Instagram se torna a coisa mais importante naquele momento. Por isso é importante a transformação dos hábitos, mudando os paradigmas, para qualificar os gatilhos internos para nos dar tração.
Na mesma esteira, estamos cercados por gatilhos externos. Há gatilhos externos que nos dão tração, como o alarme no celular para levantarmos de manhã ou mesmo a notificação de que recebemos um email importante. Particularmente sobre as tecnologias digitais, o problema do gatilho externo está no modelo de negócio dessas empresas, baseado no engajamento continuo, como dissemos. E essas empresas são muito boas em suas técnicas de engajamento, sejam as redes sociais sejam as empresas de videogame, por exemplo.
Sobre isso, o filósofo da cultura francês, Paulo Virilio, disse o seguinte na obra Politics of the very worst (1999, p. 89):
Quando você inventa o navio, você também inventa o naufrágio; quando você inventa o avião, você também inventa a queda do avião; e quando você inventa a eletricidade, você inventa a eletrocussão… Cada tecnologia carrega sua própria negatividade, que é inventada ao mesmo tempo que o progresso técnico.
Por conseguinte, a moral da história não é, “evite as tecnologias, pois elas derreterão o seu cérebro”. A moral da história é, cheque o seu email, responda ao comentário na rede social ou jogue videogame com base em sua rotina de atividades. Para ser mais claro, aja de acordo com a sua intenção proposta para essas atividades. Assim, até mesmo “jogar tempo fora” deixa de ser uma distração. Isso porque, Nir afirma,
O tempo que você planejou jogar fora, não é um tempo jogado fora.
Planejar nosso dia-a-dia, isto é, dar intenção às nossas ações importam. Pois estudos tem demonstrado que os gatilhos externos, provenientes do nosso ambiente, são responsáveis por apenas cerca de 10% das nossas distrações. O grande causador das distrações são os gatilhos externos. Por isso Nir desenvolveu quatro passos para estar indistraível.
Quatro passos para estar indistraível
- Domine os seus gatilhos internos: não dá pra fugir desse encontro com você mesmo, com honestidade e coragem, observar (ou meditar sobre) seus pensamentos e sentimentos de desconforto que te dão distr-ação. Para Nir, a gestão do tempo requer a gestão da dor.
- Abra espaço para a tr-ação: a distração apenas pode ser observada se você tiver uma intenção para o seu dia. Em outras palavras, apenas nos conscientizamos de uma distração se tivermos uma tração para o nosso dia, da qual estamos nos afastando com hábitos de distração e procrastinação. Qual é a tração, a intenção para o dia de hoje?
- Bloqueie os gatilhos externos: temos que aprender a lidar com os fatores externos que estão constantemente nos distraindo. Eles vão dos canais de TV à cabo e as plataformas de streaming às reuniões desnecessárias e, inclusive, em tempos de home office, nossos filhos, que amamos tanto.
- Previna as distrações fazendo “pactos”: fazer pactos é a “última linha de defesa” contra os nossos hábitos viciosos paradigmáticos e os gatilhos externos. Isso significa que o pacto pode nos ajuda a estar indistraível, mesmo quando não conseguimos dominar nossos gatilhos internos, abrir espaço para a tração no nosso dia ou bloquear os gatilhos externos.
Para colocar o primeiro passo em movimento, a pessoa pode aplicar duas práticas meditativas concomitantemente, chamadas “10 minutos de meditação” e “surfando o impulso“, do inglês surf the urge.
Ela consiste no seguinte: temos um gatilho interno ou externo nos levando para um hábito distraível, isto é, impulsos que emergem das emoções e dos sentimentos. Eles podem emergir sutilmente ou de maneira avassaladora como um impulso para “abrir a geladeira”, fumar um cigarro, checar os aplicativos no celular entre tantos outros. Toda vez que eles surgirem, marque 10 minutos no relógio ou no celular. Então, dentro desses 10 minutos, coloque sua atenção no impulso que emerge das emoções e dos sentimentos.
Uma vez que você está dentro dos 10 minutos, esforçando-se para prestar atenção nos impulsos, surfe-os. Isso significa o seguinte:
- Foque na área em que o impulso está emergindo: faça um movimento de introspeção para conscientizar-se de onde e em qual forma está vindo o impulso
- Reconheça o modo como você tem uma experiência do impulso: aceite a onda do impulso sem pré-julgamento, auto-sabotagem ou auto-punição
- Repita o foco e o reconhecimento: pela repetição, expanda a sua conscientização sobre o impulso e a sua aceitação
- Libere a tensão do impulso em cada respiração: mude sua atenção para a sua respiração, sem necessariamente alterar o seu ritmo ou intensidade, visualizando que, a cada inspiração, você vai se equilibrando calmamente sobre a onda do impulso, e, a cada expiração, o impulso vai diminuindo, até a onda passar.
Do mesmo modo, para colocar os passos seguintes em movimento, devemos planejar o nosso dia (passo 2), estabeleça os seus valores, e use o seu tempo prioritariamente para eles (passo 3) e evite as “listas do que fazer”, do inglês, to do lists, pois o ponto aqui não é se estressar para completar diariamente as suas tarefas, deveres ou obrigação, mas fazer aquilo que você se colocou a fazer, de maneira continua, sem se distrair ou procrastinar (passo 4).
Em outras palavras, o modelo de recompensa e punição das listas do que fazer vai dando espaço para um modo mais humano de lidar com os desconfortos da vida (Ver o “Pacto de Odisseu”).
Recompensa, punição e desconforto
Por fim, é importante lembrar que as pesquisas mais recentes da neurociência tem colocado em cheque a teoria utilitarista moderna do filósofo inglês, Jeremy Bentham. Basicamente, Bentham é o pai da abordagem psicológica conhecida como “recompensa e punição” ou, metaforicamente falando, “cenouras e vara”, do inglês carrots and stick.
De acordo com o psicólogo cognitivo canadense, Daniel Pinker, a teoria utilitarista serviu/serve para a sociedade industrial. Diria, ela serviu/serve para as sociedades das duas primeiras Revoluções Industriais, pautadas, respectivamente, nas invenções do motor à vapor e da eletricidade. O foco era na construção da infra-estrutura da sociedade moderna. Já em relação as terceira e quarta Revoluções Industriais, pautadas respectivamente no transistor e na Web 2.0, a teoria utilitarista não funciona bem. Isso porque essas duas últimas revoluções funcionam com base na economia criativa.
E, para as pessoas que usam frequentemente a sua criatividade, estar motivado por causa de recompensa ou punição é menos comum do que a motivação para escapar de um desconforto psíquico sobre uma situação. Assim, para escapar de um desconforto, muitas vezes nos tornamos “distraíveis”. Ao encararmos, com honestidade e coragem, os nossos desconfortos psíquicos, os hábitos viciosos paradigmáticos e os fatores externos, podemos nos tornar “indistraíveis”.